Profissionais de saúde cuidam de paciente com Covid-19 na UTI de Hospital — Foto: Silvio Avila/AFP
O rápido agravamento da pandemia no
Brasil pressiona hospitais, que já lidam com a insuficiência de leitos e
escassez de remédios. O risco de um apagão de profissionais
especializados também é um problema. No caótico ambiente hospitalar,
gestores e entidades médicas de pelo menos nove Estados – Bahia, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Tocantins –
relatam falta de intensivistas, dificuldades no atendimento ou
necessidade de abrir rodadas de processos seletivos para contratar
temporários.
O Brasil tem 543 mil
médicos, mas nem todos preparados para as demandas atuais. “O que
precisamos é de profissionais treinados para internação sob cuidados
intensivos”, diz o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB),
César Eduardo Fernandes. “E também dos demais profissionais de saúde,
porque não é qualquer médico ou técnico que pode trabalhar numa UTI. As
equipes de enfermagem têm de ter treinamento para manejar máquinas
modernas e os respiradores.”
Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Norte, Geraldo Ferreira
diz que “há improvisação, principalmente na rede pública”. E alerta
também para as perdas entre profissionais para a covid, o que piora a
escassez. O Estado já acumula 50 mortes nas equipes de saúde que
enfrentam o vírus, entre médicos e enfermagem, conforme a entidade.
Trabalhadores doentes também precisam desfalcar, de forma temporária, a
linha de frente. “A situação é gravíssima”, avalia Ferreira.
O
governo potiguar diz “fazer contratos temporários e convocações de
servidores concursados”. Até o dia 4, foram contratados 1.476 efetivos
(concurso público), 2.331 temporários, mais 188 convocados para assinar
contratos temporários. No dia 13, inda foi preciso abrir convocação de
mais 69 profissionais.
Fila por vaga e internação longa
Conforme
os dados do Registro Nacional de Terapia Intensiva da Associação de
Medicina Intensiva Brasileira, a média geral tem sido de oito dias de
internação.
O tempo médio é hoje de 12,5 dias no caso de pacientes da covid-19. Nos últimos dez anos, era de cinco a seis dias.
A
explosão de casos e a internação prolongada contribuem para a
sobrecarga de hospitais e mortes de pacientes na fila por leitos. “Se
você bater o carro e tiver traumatismo craniano, não acha vaga em UTI
para internar”, alerta César Eduardo Fernandes, da Associação Médica
Brasileira. “O mundo não é só covid. Tem enfarte do miocárdio, derrames
cerebrais, traumatismos grandes. Sou obrigado a reconhecer: há falta, as
UTIs estão assoberbadas.”
Para desafogar a rede, secretários de Saúde já pediram o cancelamento de cirurgias eletivas para liberar vagas.
Distribuição desigual de médicos pelo Brasil é barreira
A
presença desigual de médicos e outros profissionais da saúde pelo
Brasil é um problema crônico. A pandemia evidenciou ainda mais essa
dificuldade.
Segundo Mario Scheffer,
professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP),
existe uma “má distribuição geográfica, concentração no setor privado,
baixa qualificação, e, principalmente, má gestão desses recursos humanos
de alta especialização”.
Ele aponta
que falta coordenação nacional do recrutamento desses profissionais. “Há
uma fragmentação e precarização de contratação de recursos humanos via
OSs (Organizações sociais, que prestam serviços para o poder público),
diz Scheffer.
César Eduardo
Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), vê falta de
planejamento do poder público e afirma que as universidades no País
enviam número suficiente de profissionais para o mercado. “O governo
precisa cuidar disso com responsabilidade, fazer plano de carreira,
parar de tratar isso com políticas de tapa-buracos”, defende.
Entidades
médicas também reclamam de remunerações e contratos precários,
principalmente entre profissionais mais jovens. Segundo Geraldo
Ferreira, do sindicato potiguar da categoria, muitos são atraídos como
“sócios” de empresas. Isso pode favorecer, diz, fraudes trabalhistas e
tributárias.
“Aumentar o número de
leitos exige profissionais capacitados, médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas, para atender pacientes muito críticos, muito graves.
Achar esses profissionais agora é muito difícil”, destaca Viviane
Cordeiro Veiga, presidente do Comitê de Analgesia, Sedação e Delirium da
Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).
A
entidade recomenda que, nas regiões onde não há especialistas em
terapia intensiva, é preciso ter um intensivista para dar suporte,
inclusive por telemedicina. “Há outra questão: já temos a falta de
insumos, de medicamentos. Então, esses profissionais têm de estar
preparados para usar novas medicações, novos protocolos”, afirma ela,
chefe de UTI do Hospital Beneficência Portuguesa.
fonte, Estadão