Ainda na expectativa de o Supremo Tribunal Federal considerar o ex-juiz
Sérgio Moro suspeito para julgá-lo, o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) fez seu primeiro pronunciamento nesta
quarta, 10, após a decisão que anulou todas as suas condenações na
Operação Lava Jato e o deixou elegível para
2022. Lula se disse "livre" da Lava Jato. "Não tenham medo de
mim", disse o ex-presidente, que adotou um tom de candidato apesar de afirmar
"seria pequeno" se estivesse pensando na eleição presidencial neste momento.
Lula afirmou que irá procurar empresários e que quer convencê-los de que o
crescimento passa por garantir emprego e renda para os mais pobres. “Sou
radical. Eu sou radical porque quero ir até as raízes dos problemas do País. Por
que o mercado tem medo de mim? Esse mercado já conviveu com o PT oito anos
comigo e mais seis com a Dilma. Qual é a lógica? Eu não entendo esse medo, eu
era chamado de conciliador quando presidia. Quantas reuniões fazia com os
empresários? Dizia: 'O que vocês querem? Então, vamos construir
juntos'."
© Werther
Santana/Estadão O ex-presidente Lula (PT) em entrevista coletiva em São
Bernardo do Campo
A fala aconteceu na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em
São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Na segunda, 8, o ministro Edson
Fachin, relator da Lava Jato no STF, declarou
a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro ações
relativas ao ex-presidente, anulando todas as decisões de Moro nos
respectivos processos, devolvendo a Lula seus direitos políticos e o tornando apto a disputar eleições. A decisão atende,
quatro anos depois, as alegações da defesa do ex-presidente, que sempre
argumentou não ser de competência da 13ª Vara Federal julgar os casos, já que os
mesmos não têm relação direta com a Petrobrás – alvo inicial da Lava Jato.
O plenário do STF ainda deve analisar a decisão de
Fachin. A
Justiça do Distrito Federal decidirá se aceita ou não as
denúncias. Lula
ainda é réu em outras seis ações penais, que tiveram origem em outras
operações.
Lula agradeceu Fachin pela decisão, mas lamentou que a
decisão tenha sido tomada só agora. "Não sei porque a Corte só decidiu agora,
entramos com recurso em 2016. Mas passou por todas as instâncias do Poder
Judiciário, que tem sua morosidade. O meu tempo não era o tempo deles", afirmou.
O petista disse que não vai descansar enquanto Moro não for considerado
suspeito. "Nós vamos continuar brigando para que o Moro seja considerado
suspeito porque ele não tem o direito de ser o maior mentiroso da história do
Brasil e ainda ser considerado herói. Deus de barro não dura muito tempo". O
julgamento da suspeição de Moro está empatado em 2 a 2 na Segunda Turma do STF.
O ministro Kassio Nunes Marques pediu mais tempo para declarar seu
voto e adiou o desfecho do caso.
Questionado se será candidato nas próximas eleições, Lula
afirmou: “Eu seria pequeno se estivesse pensando em 2022 nesse instante”. Ele
deixou em aberto, ainda, a possibilidade de uma candidatura própria do PT ou uma
frente ampla com outras legendas de esquerda, e disse que o partido deve, agora,
“percorrer o País” e ouvir a população, o que o ex-prefeito Fernando Haddad já
estaria fazendo. Ele disse estar convencido da possibilidade de alianças.
2022
Lula disse não aceitar se colocar como candidato para 2022 agora nem dizer se o PT vai encabeçar uma chapa ou não. Mas
não descarta aliança com partidos de centro. "Quando eu fui candidato em 2002
tive como vice o companheiro Zé Alencar, que era do MDB, depois PL. Foi a
primeira vez que se fez uma aliança entre o capital e trabalho e, sinceramente
,acho que foi o momento mais promissor da história do País. Temos de esperar
chegar o momento, escolher quem vai ser o candidato, é aí que se vai decidir se
será possível uma candidatura única e se podem ser feitas alianças só na
esquerda. Eu duvido que esse País consiga repetir um vice da qualidade do Zé
Alencar. Eu acho que tem momento pra tudo. A gente não pode ficar respondendo à
insistência sobre candidatura agora. O que precisamos é andar. O Haddad pode
fazer isso nas universidades. E depois a gente discute o resultado do que fomos
capazes de produzir."
Polarização
Questionado sobre polarização, Lula disse que o PT polariza desde 1989.
"Significa que o PT é muito grande. Não pode ter medo de polarizar, tem que ter
medo é de ficar esquecido. Gosto de eleição em dois turnos justamente para
construir as alianças e reunir o País. A polarização é importante, o que não
pode é cometer erros, como o do PSDB em 2014, em não querer aceitar o resultado.
Deu no que deu, no Bolsonaro. Se o adversário vai ser Bolsonaro, não sei. Ele
tem uns 20% de milicianistas, vamos ver."
Frente ampla e disputa eleitoral
"Uma frente de esquerda é mais fácil construir para produzir um programa de
luta contra o que está acontecendo com a direita, mas esse programa pode
envolver setores conservadores. Se colocar na frente a questão eleitoral se
trunca qualquer negociação. Vejo muita gente falar sobre "frente ampla", mas o
que se fala agora é frente de esquerda. Ela será ampla se conseguirmos conversar
com outras forças políticas. É possível, é. Nos Estados brasileiros temos vários
governadores eleitos em aliança ampla. Veja o Flávio Dino, o Rui Costa. Quando chegar a
época da eleição as coisas vão acontecer, não estou preocupado com isso agora.
Só o Ciro está preocupado e ele quer agradar quem?"
Ao citar o ex-ministro Ciro Gomes, Lula fez duras críticas
em respostas a comentários do pedetista sobre ele: "O Ciro Gomes não pode mais
falar as meninices que ele achava engraçado quando era jovem. Se ele continuar
com essas grosserias, o fim dele vai ser sem apoio da esquerda, sem confiança da
direita e com menos votos do que as eleições que participou até agora."
Lula respondeu a um comentário do apresentador Luciano Huck (sem partido), também cotado
para 2022, que afirmou, após a decisão de Fachin, que "figurinha repetida não completa álbum".
"Huck tá falando de figurinha? Mas ele não conhece figurinha, porque figurinha
repetida carimbada vale pelo álbum inteiro."
Lava Jato e futuro
O ex-presidente afirmou que a Lava Jato "desapareceu" de sua vida. "Mas não
espero que as pessoas que me acusavam parem de me acusar. Estou satisfeito que
tenha sido reconhecido aquilo que meus advogados vem dizendo há tanto tempo.
Tivemos 100% de êxito na decisão do Fachin. Por que ele não fez isso antes? Eu
sei que é constrangedor muita gente que me acusou parar de me acusar. Quando
você envereda no caminho da mentira é difícil voltar atrás. Mas a verdade venceu
e vai continuar vencendo. Eu agora quero dedicar o resto de vida que me sobra
para voltar a andar por esse País para conversar com esse povo."
As três ações da Lava Jato contra Lula – os casos do tríplex, do Sítio de
Atibaia e da venda de imóveis e terreno para o Instituto Lula – ainda estão em
andamento, apesar das condenações terem sido anuladas. Os processos serão
enviados para a Justiça do Distrito Federal. Especialistas citam o risco de
prescrição das acusações, o que ainda não ocorreu.
Petrobrás
Para Lula, a Lava Jato causou prejuízos à Petrobrás. “Por conta da operação Lava Jato,
o Brasil deixou de ter investimentos de R$ 172 bilhões.” O argumento do
ex-presidente era que a operação poderia ter feito prisões sem atingir as
empresas geradoras de emprego. “A destruição que ela fez na corrente geradora de
empregos no País gerou 4 milhões de pessoas no desemprego”, afirmou. Ele ainda
disse que o Brasil, em seu governo, “tinha um projeto de nação” e que, na época,
era a sexta economia do mundo. “Vocês nunca ouviram da minha boca falar em
privatização”, disse Lula.
O petista citou o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, para
falar sobre privatizações e crescimento econômico. "Você já viu o Guedes falar
uma palavra de desenvolvimento econômico e distribuição de renda? O que vai
fazer nossa dívida diminuir em relação ao PIB é o investimento público. Se o
Estado não confia na sua política e não investe, por que o empresário vai
acreditar e investir?" Lula afirmou que quando era presidente, em 2008, a
indústria automobilística vendia 4 milhões de carros por ano. "Hoje, é a metade
e porque não tem demanda, não tem emprego."
Congresso
Lula disse que gostaria de ter um Congresso composto por pessoas “de esquerda,
gente progressista", mas que, uma vez que “o povo elegeu quem quis”, ao citar
representantes de outras correntes ideológicas, disse que iria “dialogar com
todos”. Ele disse que irá procurar empresários e que quer convencê-los de que o
crescimento passa por garantir emprego e renda para os mais pobres. “Não tenham
medo de mim. Eu sou radical porque quero ir até as raízes dos problemas do
País.”
Mercado
"Por que o mercado tem medo de mim? Esse mercado já conviveu com o PT oito
anos comigo e mais seis com a Dilma. Qual é a lógica? Eu sou contra a autonomia
do Banco Central. É isso? Para quem interessa a autonomia do Banco Central? Não
é o trabalhador, é o sistema financeiro,. Se ele quer dinheiro, tem que gostar
de mim. Quer ver o povo consumir, tem que gostar de mim. Agora, se o mercado
quiser ver, às minhas custas, a entrega da soberania nacional, então tenha mesmo
medo de mim. Eu não vou privatizar. Eu não entendo esse medo, eu era chamado de
conciliador quando presidia. Quantas reuniões fazia com os empresários? Dizia:
"O que vocês querem? Então, vamos construir juntos."
Prisão
O petista disse não estar ‘bravo” nem “magoado” com sua prisão. “Sei de que
fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história. Sei que
minha mulher Marisa morreu por causa da pressão” que, segundo o presidente,
teria desencadeado o acidente vascular cerebral em Marisa Letícia. Ele citou o fato de ter sido
proibido de acompanhar o enterro de seu irmão durante o cárcere. “Se tem
brasileiro que tem razão de ter muitas e muitas mágoas, sou eu. Mas não estou".
O ex-presidente havia sido condenado em dois processos, referentes ao tríplex
de Guarujá e ao Sítio de Atibaia. Ele ainda responde às duas ações, que serão
encaminhadas à Justiça Federal do Distrito Federal, e segue como réu em outras
seis ações penais.
Lula disse que a dor que sente "não é nada" diante da dor que sofrem milhões
e milhões de pessoas. "Quase 270 mil pessoas que viram seus entes queridos
morrer e sequer puderam se despedir dessa gente na hora sagrada", diz. "Quero
prestar minha solidariedade às vítimas do coronavírus. E aos heróis e heroínas
do SUS."
Bolsonaro
Lula criticou diretamente Bolsonaro ao dizer que "nem capitão ele era" quando
participava do Exército. "Ele foi promovido porque se aposentou e se aposentou
porque queria explodir um quartel. Daí, passou de
tenente a capitão. Depois disso, nunca mais fez nada na vida. Passou 32 anos
como deputado e conseguiu passar para a sociedade que ele não era político.
Vocês imaginam o poder do fanatismo? Através de fake news, o mundo elegeu um
Trump, elegeu um Bolsonaro."
Pandemia e vacinação
Ao citar a pandemia, Lula fez mais críticas a Bolsonaro. Lula disse que um presidente não é eleito
para dar armas. “Quem está precisando de armas é nossas forças armadas. É a
polícia, que muitas vezes sai com um 38 enferrujado. Não seria, segundo Lula,
“fazendeiros para matar sem terras” nem “milicianos” que matariam jovens.
O ex-presidente disse que vai se vacinar contra a covid-19 e que fará
propaganda para que a população se vacine. "Não siga nenhuma decisão imbecil do
presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina", disse Lula. Ele
ressaltou o papel de todos os governadores em sua luta por vacinas. Lula
classificou como "titânica" a luta que eles travam atualmente "contra um governo
incompetente que não respeita à vida".
Para Lula, Bolsonaro deveria ter criado, em março do ano passado, um comitê
de crise envolvendo gestores, autoridades da saúde e cientistas, para lidar com
a pandemia. “A própria Pfizer tentou oferecer vacinas e a gente não quis”,
afirmou Lula, ao lembrar de falas do Bolsonaro sobre a pandemia que
foram criticadas por especialistas em saúde.
Militares
Lula foi perguntado sobre uma declaração do presidente do Clube Militar,
general de divisão Eduardo
José Barbosa, que classificou a decisão de Fachin como
uma "vitória do banditismo". Também falou sobre
um tweet do general Eduardo Villas Bôas
de 2018. O Supremo discutia a
possibilidade de um habeas corpus que poderia evitar a prisão do
ex-presidente quando o militar usou as redes sociais para criticar a discussão na
Corte.
"Eu não posso levar a sério uma carta do clube militar", disse Lula. "Fiquei
preocupado com a carta do Villas Bôas e não é correto um presidente das Forças
Armadas fazer o que ele fez. Se eu fosse presidente, ele teria sido exonerado na
hora. Ele não está lá para decidir quem vai ser presidente ou não. É a sociedade
através do voto. Fiquei oito anos na presidência e nunca tive um problema com os
militares, eu investi como ninguém, aliás, nas Forças Armadas. Antes, o avião da
Presidência era chamado de "sucatão". Forças Armadas servem para cuidar da
soberania do País, não para se meter na saúde. Tenho profundo respeito pela
instituição. O fato de ter um ou outro que desande, é preciso punir. Vilas Bôas
errou e Fachin errou ao demorar três anos para comentar o que ele fez."
Agradecimentos
Lula fez uma série de agradecimentos a personalidades internacionais, como o
presidente da Argentina, Alberto Fernández, que o visitou enquanto
disputava a eleição, e também ao papa Francisco, que lhe enviou uma carta quando estava na
prisão e depois o recebeu no Vaticano. Agradeceu ainda políticos,
artistas, filósofos, às pessoas que fizeram a vigília em
Curitiba durante sua prisão e outras personalidades que se manifestaram
a favor do ex-presidente durante seu período de cárcere e os processos. Lula
também agradeceu ao perito que está investigando as mensagens hackeadas dos celulares dos procuradores da
força-tarefa da Lava Jato. "Acho muito engraçado porque o Moro diz
que não reconhece a veracidade das mensagens. Os procuradores, também, mesmo a
Suprema Corte tendo validado tudo e autorizado a divulgação."
Lideranças que apoiaram Lula e também vinham tendo pretensões eleitorais para
2022, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o
ex-candidato à Prefeitura da cidade e à Presidência Guilherme
Boulos (PSOL) estavam presentes, além da presidente do PT,
Gleisi Hoffmann, do ex-prefeito de São Bernardo Luiz
Marinho (PT) e dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do
ABC. / COLABORARAM MATHEUS LARA E TULIO KRUSE fonte, https://www.msn.com/pt-br/noticias