quarta-feira, 10 de março de 2021

Em tom de candidato, Lula se diz 'livre da Lava Jato' e afirma: 'Não tenham medo de mim'

 

Ainda na expectativa de o Supremo Tribunal Federal considerar o ex-juiz Sérgio Moro suspeito para julgá-lo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez seu primeiro pronunciamento nesta quarta, 10, após a decisão que anulou todas as suas condenações na Operação Lava Jato e o deixou elegível para 2022. Lula se disse "livre" da Lava Jato. "Não tenham medo de mim", disse o ex-presidente, que adotou um tom de candidato apesar de afirmar "seria pequeno" se estivesse pensando na eleição presidencial neste momento.

Lula afirmou que irá procurar empresários e que quer convencê-los de que o crescimento passa por garantir emprego e renda para os mais pobres. “Sou radical. Eu sou radical porque quero ir até as raízes dos problemas do País. Por que o mercado tem medo de mim? Esse mercado já conviveu com o PT oito anos comigo e mais seis com a Dilma. Qual é a lógica? Eu não entendo esse medo, eu era chamado de conciliador quando presidia. Quantas reuniões fazia com os empresários? Dizia: 'O que vocês querem? Então, vamos construir juntos'."

O ex-presidente Lula (PT) em entrevista coletiva em São Bernardo do Campo © Werther Santana/Estadão O ex-presidente Lula (PT) em entrevista coletiva em São Bernardo do Campo

A fala aconteceu na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Na segunda, 8, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro ações relativas ao ex-presidente, anulando todas as decisões de Moro nos respectivos processos, devolvendo a Lula seus direitos políticos e o tornando apto a disputar eleições. A decisão atende, quatro anos depois, as alegações da defesa do ex-presidente, que sempre argumentou não ser de competência da 13ª Vara Federal julgar os casos, já que os mesmos não têm relação direta com a Petrobrás – alvo inicial da Lava Jato.

O plenário do STF ainda deve analisar a decisão de Fachin. A Justiça do Distrito Federal decidirá se aceita ou não as denúncias. Lula ainda é réu em outras seis ações penais, que tiveram origem em outras operações.

Lula agradeceu Fachin pela decisão, mas lamentou que a decisão tenha sido tomada só agora. "Não sei porque a Corte só decidiu agora, entramos com recurso em 2016. Mas passou por todas as instâncias do Poder Judiciário, que tem sua morosidade. O meu tempo não era o tempo deles", afirmou.

O petista disse que não vai descansar enquanto Moro não for considerado suspeito. "Nós vamos continuar brigando para que o Moro seja considerado suspeito porque ele não tem o direito de ser o maior mentiroso da história do Brasil e ainda ser considerado herói. Deus de barro não dura muito tempo". O julgamento da suspeição de Moro está empatado em 2 a 2 na Segunda Turma do STF. O ministro Kassio Nunes Marques pediu mais tempo para declarar seu voto e adiou o desfecho do caso.

Questionado se será candidato nas próximas eleições, Lula afirmou: “Eu seria pequeno se estivesse pensando em 2022 nesse instante”. Ele deixou em aberto, ainda, a possibilidade de uma candidatura própria do PT ou uma frente ampla com outras legendas de esquerda, e disse que o partido deve, agora, “percorrer o País” e ouvir a população, o que o ex-prefeito Fernando Haddad já estaria fazendo. Ele disse estar convencido da possibilidade de alianças.

2022

Lula disse não aceitar se colocar como candidato para 2022 agora nem dizer se o PT vai encabeçar uma chapa ou não. Mas não descarta aliança com partidos de centro. "Quando eu fui candidato em 2002 tive como vice o companheiro Zé Alencar, que era do MDB, depois PL. Foi a primeira vez que se fez uma aliança entre o capital e trabalho e, sinceramente ,acho que foi o momento mais promissor da história do País. Temos de esperar chegar o momento, escolher quem vai ser o candidato, é aí que se vai decidir se será possível uma candidatura única e se podem ser feitas alianças só na esquerda. Eu duvido que esse País consiga repetir um vice da qualidade do Zé Alencar. Eu acho que tem momento pra tudo. A gente não pode ficar respondendo à insistência sobre candidatura agora. O que precisamos é andar. O Haddad pode fazer isso nas universidades. E depois a gente discute o resultado do que fomos capazes de produzir."

Polarização

Questionado sobre polarização, Lula disse que o PT polariza desde 1989. "Significa que o PT é muito grande. Não pode ter medo de polarizar, tem que ter medo é de ficar esquecido. Gosto de eleição em dois turnos justamente para construir as alianças e reunir o País. A polarização é importante, o que não pode é cometer erros, como o do PSDB em 2014, em não querer aceitar o resultado. Deu no que deu, no Bolsonaro. Se o adversário vai ser Bolsonaro, não sei. Ele tem uns 20% de milicianistas, vamos ver."

Frente ampla e disputa eleitoral

"Uma frente de esquerda é mais fácil construir para produzir um programa de luta contra o que está acontecendo com a direita, mas esse programa pode envolver setores conservadores. Se colocar na frente a questão eleitoral se trunca qualquer negociação. Vejo muita gente falar sobre "frente ampla", mas o que se fala agora é frente de esquerda. Ela será ampla se conseguirmos conversar com outras forças políticas. É possível, é. Nos Estados brasileiros temos vários governadores eleitos em aliança ampla. Veja o Flávio Dino, o Rui Costa. Quando chegar a época da eleição as coisas vão acontecer, não estou preocupado com isso agora. Só o Ciro está preocupado e ele quer agradar quem?"

Ao citar o ex-ministro Ciro Gomes, Lula fez duras críticas em respostas a comentários do pedetista sobre ele: "O Ciro Gomes não pode mais falar as meninices que ele achava engraçado quando era jovem. Se ele continuar com essas grosserias, o fim dele vai ser sem apoio da esquerda, sem confiança da direita e com menos votos do que as eleições que participou até agora."

Lula respondeu a um comentário do apresentador Luciano Huck (sem partido), também cotado para 2022, que afirmou, após a decisão de Fachin, que "figurinha repetida não completa álbum". "Huck tá falando de figurinha? Mas ele não conhece figurinha, porque figurinha repetida carimbada vale pelo álbum inteiro."

Lava Jato e futuro

O ex-presidente afirmou que a Lava Jato "desapareceu" de sua vida. "Mas não espero que as pessoas que me acusavam parem de me acusar. Estou satisfeito que tenha sido reconhecido aquilo que meus advogados vem dizendo há tanto tempo. Tivemos 100% de êxito na decisão do Fachin. Por que ele não fez isso antes? Eu sei que é constrangedor muita gente que me acusou parar de me acusar. Quando você envereda no caminho da mentira é difícil voltar atrás. Mas a verdade venceu e vai continuar vencendo. Eu agora quero dedicar o resto de vida que me sobra para voltar a andar por esse País para conversar com esse povo."

As três ações da Lava Jato contra Lula – os casos do tríplex, do Sítio de Atibaia e da venda de imóveis e terreno para o Instituto Lula – ainda estão em andamento, apesar das condenações terem sido anuladas. Os processos serão enviados para a Justiça do Distrito Federal. Especialistas citam o risco de prescrição das acusações, o que ainda não ocorreu.

Petrobrás

Para Lula, a Lava Jato causou prejuízos à Petrobrás. “Por conta da operação Lava Jato, o Brasil deixou de ter investimentos de R$ 172 bilhões.” O argumento do ex-presidente era que a operação poderia ter feito prisões sem atingir as empresas geradoras de emprego. “A destruição que ela fez na corrente geradora de empregos no País gerou 4 milhões de pessoas no desemprego”, afirmou. Ele ainda disse que o Brasil, em seu governo, “tinha um projeto de nação” e que, na época, era a sexta economia do mundo. “Vocês nunca ouviram da minha boca falar em privatização”, disse Lula.

O petista citou o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, para falar sobre privatizações e crescimento econômico. "Você já viu o Guedes falar uma palavra de desenvolvimento econômico e distribuição de renda? O que vai fazer nossa dívida diminuir em relação ao PIB é o investimento público. Se o Estado não confia na sua política e não investe, por que o empresário vai acreditar e investir?" Lula afirmou que quando era presidente, em 2008, a indústria automobilística vendia 4 milhões de carros por ano. "Hoje, é a metade e porque não tem demanda, não tem emprego."

Congresso

Lula disse que gostaria de ter um Congresso composto por pessoas “de esquerda, gente progressista", mas que, uma vez que “o povo elegeu quem quis”, ao citar representantes de outras correntes ideológicas, disse que iria “dialogar com todos”. Ele disse que irá procurar empresários e que quer convencê-los de que o crescimento passa por garantir emprego e renda para os mais pobres. “Não tenham medo de mim. Eu sou radical porque quero ir até as raízes dos problemas do País.”

Mercado

"Por que o mercado tem medo de mim? Esse mercado já conviveu com o PT oito anos comigo e mais seis com a Dilma. Qual é a lógica? Eu sou contra a autonomia do Banco Central. É isso? Para quem interessa a autonomia do Banco Central? Não é o trabalhador, é o sistema financeiro,. Se ele quer dinheiro, tem que gostar de mim. Quer ver o povo consumir, tem que gostar de mim. Agora, se o mercado quiser ver, às minhas custas, a entrega da soberania nacional, então tenha mesmo medo de mim. Eu não vou privatizar. Eu não entendo esse medo, eu era chamado de conciliador quando presidia. Quantas reuniões fazia com os empresários? Dizia: "O que vocês querem? Então, vamos construir juntos."

Prisão

O petista disse não estar ‘bravo” nem “magoado” com sua prisão. “Sei de que fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história. Sei que minha mulher Marisa morreu por causa da pressão” que, segundo o presidente, teria desencadeado o acidente vascular cerebral em Marisa Letícia. Ele citou o fato de ter sido proibido de acompanhar o enterro de seu irmão durante o cárcere. “Se tem brasileiro que tem razão de ter muitas e muitas mágoas, sou eu. Mas não estou".

O ex-presidente havia sido condenado em dois processos, referentes ao tríplex de Guarujá e ao Sítio de Atibaia. Ele ainda responde às duas ações, que serão encaminhadas à Justiça Federal do Distrito Federal, e segue como réu em outras seis ações penais.

Lula disse que a dor que sente "não é nada" diante da dor que sofrem milhões e milhões de pessoas. "Quase 270 mil pessoas que viram seus entes queridos morrer e sequer puderam se despedir dessa gente na hora sagrada", diz. "Quero prestar minha solidariedade às vítimas do coronavírus. E aos heróis e heroínas do SUS."

Bolsonaro

Lula criticou diretamente Bolsonaro ao dizer que "nem capitão ele era" quando participava do Exército. "Ele foi promovido porque se aposentou e se aposentou porque queria explodir um quartel. Daí, passou de tenente a capitão. Depois disso, nunca mais fez nada na vida. Passou 32 anos como deputado e conseguiu passar para a sociedade que ele não era político. Vocês imaginam o poder do fanatismo? Através de fake news, o mundo elegeu um Trump, elegeu um Bolsonaro."

Pandemia e vacinação

Ao citar a pandemia, Lula fez mais críticas a Bolsonaro. Lula disse que um presidente não é eleito para dar armas. “Quem está precisando de armas é nossas forças armadas. É a polícia, que muitas vezes sai com um 38 enferrujado. Não seria, segundo Lula, “fazendeiros para matar sem terras” nem “milicianos” que matariam jovens.

O ex-presidente disse que vai se vacinar contra a covid-19 e que fará propaganda para que a população se vacine. "Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina", disse Lula. Ele ressaltou o papel de todos os governadores em sua luta por vacinas. Lula classificou como "titânica" a luta que eles travam atualmente "contra um governo incompetente que não respeita à vida".

Para Lula, Bolsonaro deveria ter criado, em março do ano passado, um comitê de crise envolvendo gestores, autoridades da saúde e cientistas, para lidar com a pandemia. “A própria Pfizer tentou oferecer vacinas e a gente não quis”, afirmou Lula, ao lembrar de falas do Bolsonaro sobre a pandemia que foram criticadas por especialistas em saúde.

Militares

Lula foi perguntado sobre uma declaração do presidente do Clube Militar, general de divisão Eduardo José Barbosa, que classificou a decisão de Fachin como uma "vitória do banditismo". Também falou sobre um tweet do general Eduardo Villas Bôas de 2018. O Supremo discutia a possibilidade de um habeas corpus que poderia evitar a prisão do ex-presidente quando o militar usou as redes sociais para criticar a discussão na Corte.

"Eu não posso levar a sério uma carta do clube militar", disse Lula. "Fiquei preocupado com a carta do Villas Bôas e não é correto um presidente das Forças Armadas fazer o que ele fez. Se eu fosse presidente, ele teria sido exonerado na hora. Ele não está lá para decidir quem vai ser presidente ou não. É a sociedade através do voto. Fiquei oito anos na presidência e nunca tive um problema com os militares, eu investi como ninguém, aliás, nas Forças Armadas. Antes, o avião da Presidência era chamado de "sucatão". Forças Armadas servem para cuidar da soberania do País, não para se meter na saúde. Tenho profundo respeito pela instituição. O fato de ter um ou outro que desande, é preciso punir. Vilas Bôas errou e Fachin errou ao demorar três anos para comentar o que ele fez."

Agradecimentos

Lula fez uma série de agradecimentos a personalidades internacionais, como o presidente da Argentina, Alberto Fernández, que o visitou enquanto disputava a eleição, e também ao papa Francisco, que lhe enviou uma carta quando estava na prisão e depois o recebeu no Vaticano. Agradeceu ainda políticos, artistas, filósofos, às pessoas que fizeram a vigília em Curitiba durante sua prisão e outras personalidades que se manifestaram a favor do ex-presidente durante seu período de cárcere e os processos. Lula também agradeceu ao perito que está investigando as mensagens hackeadas dos celulares dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. "Acho muito engraçado porque o Moro diz que não reconhece a veracidade das mensagens. Os procuradores, também, mesmo a Suprema Corte tendo validado tudo e autorizado a divulgação."

Lideranças que apoiaram Lula e também vinham tendo pretensões eleitorais para 2022, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o ex-candidato à Prefeitura da cidade e à Presidência Guilherme Boulos (PSOL) estavam presentes, além da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, do ex-prefeito de São Bernardo Luiz Marinho (PT) e dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. / COLABORARAM MATHEUS LARA E TULIO KRUSE  fonte, https://www.msn.com/pt-br/noticias

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