Foto: Nelson Jr./SCO/STF
O recuo tático do presidente Jair Bolsonaro com a nota emitida ontem
foi recebido com desconfiança pelos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF). A percepção predominante intramuros é de que o chefe do
Executivo fez o movimento de conciliação por medo. Por isso, a
estratégia adotada pelos magistrados foi a de aguardar para ver se a
bandeira branca se mantém estendida diante das novas crises que rondam o
Planalto na esteira dos eventos de 7 de setembro.
Na avaliação de ministros ouvidos pela Agência Estado, a ‘Operação 7 de
Setembro’ deu errado. Os organizadores das manifestações prometiam
colocar 2 milhões de pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, e ao
menos 1 milhão de apoiadores na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
Os números oficiais, porém, dão conta de, respectivamente, 125 mil e 80
mil manifestantes em cada ato.
Além de entregar menos do que prometeu nas ruas, um ministro do
Supremo avaliou que Jair Bolsonaro não conseguiu apoio dos policiais ao
ponto de estourarem motins nos estados.
Os dias seguintes às manifestações vieram acompanhados de greve de
caminhoneiros, que paralisaram rodovias em 15 estados, em apoio ao
governo federal.
A demanda dos grevistas é por um encontro com o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para pressionar o chefe do Congresso Nacional
a reconsiderar sua posição e abrir o processo de impeachment enviado
pelo presidente contra o ministro Alexandre de Moraes.
Jair Bolsonaro enviou mensagens de áudio aos caminhoneiros para pedir
que se desmobilizem antes que haja desabastecimento nas cidades e o
preço da greve seja pago pelo governo.
No turbilhão após o feriado da independência, o ex-presidente Michel
Temer (MDB) encarnou a figura de conselheiro do governo. Ele próprio
avisou ao presidente que se a greve persistir por mais uma semana sua
permanência no Palácio do Planalto ficará ameaçada. A avaliação é
compartilhada por ministros do Supremo.
Em 2018, Temer enfrentou nove dias de paralisação dos caminhoneiros,
evento que lhe custou quedas vertiginosas de popularidade e ameaças de
deposição. Na tentativa de evitar que o mesmo ocorra com Bolsonaro, o
ex-presidente mediou uma conversa entre ele e o seu indicado ao STF,
Alexandre de Moraes, em busca de debelar ao menos uma das crises que
pairam sobre o governo.
Na Corte tramitam quatro inquéritos contra Bolsonaro e a Segunda
Turma do Supremo decidirá em breve o futuro do senador Flávio Bolsonaro
(Patriotas-RJ) no caso das rachadinhas. Além disso, o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) tem em mãos um relatório praticamente pronto que pode
levar à cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por supostos crimes cometidos
na campanha de 2018. Outro fator é o peso que os ministros teriam em
apoiar a deflagração de um processo de impeachment, que ganhou corpo nos
últimos dias em negociações da oposição com o Centrão.
Ontem, Ao final da sessão de julgamentos desta quinta-feira, 9, a
ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu a
palavra para homenagear os colegas Luiz Fux e Rosa Weber pelo primeiro
ano na presidência e vice-presidência da Corte, respectivamente. Para
além dos elogios, o discurso foi marcado pela mensagem de unidade do
tribunal diante dos ataques recentes dirigidos pelo presidente Jair
Bolsonaro e por seus apoiadores aos ministros.
“Somos um tribunal, nenhum juiz atingido aqui no desempenho de seu
cargo é atingido isoladamente. Qualquer afronta atinge todos”, disse a
ministra. No feriado do 7 de Setembro, aniversário da Independência do
Brasil, Bolsonaro chegou a dar um ‘ultimato’ a Fux, ameaçou descumprir
decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, relator de
investigações que atingem a base bolsonarista e o próprio chefe do
Executivo, e pedir sua destituição.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, também pediu a palavra
e cumprimentou Fux pelas ‘tormentas’ enfrentadas como presidente do
Supremo. “Nós temos, ao lado da cadeira de Vossa Excelência, buscado
contribuir modestamente para que a sociedade brasileira e o Estado
mantenham um grau de estabilidade institucional devido e adequado”,
disse o PGR.
Barroso contestou discurso de Bolsonaro
Na abertura da sessão do Tribunal Superior Eleitoral ontem, o
presidente Luís Roberto Barroso rebateu diretamente às alegações, feitas
pelo presidente Jair Bolsonaro durante os discursos em manifestações
antidemocráticas do feriado de 7 de setembro. O magistrado destacou que
não se pode ‘permitir a destruição das instituições para encobrir o
fracasso econômico, social e moral’ que o País vive. “A democracia tem
lugar para conservadores liberais e progressistas. O que nos une é o
respeito à Constituição. A democracia só não tem lugar para quem
pretende destrui-la”, afirmou, antes da divulgação da nota oficial na
qual o presidente mudou o tom das declarações.
Em um discurso duro, assim como fez o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Luiz Fux, na tarde quarta-feira, 8, o presidente da corte
eleitoral disse que o País passa por um ‘momento grave’ e que a ‘marca
Brasil’ sofre uma uma desvalorização global: “A falta de compostura nos
envergonha perante o mundo. Somos vítimas de chacota e desprezo mundial,
um desprestígio maior do que a inflação, do que o desemprego, do que a
queda de renda, do que o desmatamento da Amazônia”.
Outro fator que aproximou o discurso de Barroso hoje no TSE com o de
Fux foi a citação direta a Jair Bolsonaro, que insuflou seus apoiadores
contra as instituições do Judiciário e prometeu desrespeitar decisões
judiciais que venham a ser emitidas pelo ministro Alexandre de Moraes,
integrante das duas cortes. O presidente do Supremo lembrou que o
desacato a ordens da Justiça é crime de responsabilidade, que pode
ensejar a abertura de processo de impeachment.
Barroso rebateu enfaticamente as afirmações de Bolsonaro, como a de
que ele não poderia ‘participar da farsa patrocinada pelo presidente do
TSE’. O ministro lembrou que o chefe do Executivo repete,
incessantemente, as alegações de supostas fraudes na eleição que o alçou
ao Palácio do Planalto, sem ter apresentado nenhuma prova, mesmo quando
foi instado formalmente pela corte eleitoral – ‘teórica vazia’,
‘política de palanque’, classificou.
O ministro apontou que a live que acabou colocando o presidente na
mira de mais um inquérito no STF deve figurar em ‘qualquer antologia de
eventos bizarros’ e ressaltou: “Hoje, salvo os fanáticos, que são cegos
pelo radicalismo, e os mercenários, que são cegos pela monetização da
mentira, todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o
farsante nessa história”, afirmou.
Em seu discurso, o presidente do TSE elencou seis acusações
infundadas proferidas por Bolsonaro contra a Justiça Eleitoral e seus
integrantes durante os atos de 7 de setembro, como a suposta
possibilidade de fraude eleitoral devido ao sistema de votação
eletrônico utilizado atualmente e a necessidade da adoção do voto
impresso auditável para solucionar manipulações jamais comprovadas. De
forma objetiva e firme, Barroso desmentiu cada uma das falas do
presidente.
“O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado,
parece ser ‘conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará'”, disse.
“Quando o fracasso bate à porta, porque esse é o destino do populismo, é
preciso encontrar culpados, bodes expiatórios. O populismo vive de
arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, a
imprensa, ou os tribunais”.
Presidente alerta para riscos com as paralisações
O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem à noite que, se o movimento
dos caminhoneiros não acabar até este domingo, 12, o País terá problema
de abastecimento. Na transmissão semanal ao vivo nas redes sociais,
Bolsonaro disse que a categoria fez “uma coisa fantástica ao ajudar
nesse movimento”. O presidente disse também que não influenciará na
“vida” dos caminhoneiros por ser um chefe de Estado.
“Falaram que iriam manter o movimento até domingo, é um direito
deles, que vão suspender depois de domingo, eu não influencio nessa
área”, afirmou. O presidente declarou também que os caminhoneiros
realizaram os protestos por livre e espontânea vontade e gastando
dinheiro do próprio bolso. “Deram um recado para todos nós, de todos os
Poderes, que estamos aqui em Brasília, que nós devemos respeitar a
Constituição”, disse.Mais cedo, após reunião com Bolsonaro e o ministro da Infraestrutura,
Tarcísio de Freitas, caminhoneiros indicaram que devem continuar
mobilizados até serem recebidos pelo presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (DEM-MG). Pacheco é pressionado pro caminhoneiros bolsonaristas a
avaliar pedido de abertura de processo de impeachment contra o ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Caminhoneiros permanecem com mobilização
O Ministério da Infraestrutura, informou em novo boletim sobre a
situação das estradas no País, que ainda são identificados pontos de
concentração em rodovias federais de dez Estados, com pontos isolados em
outros quatro. “Ao todo, o número de ocorrências é 11% menor do que o
último boletim, com tendência de redução ao longo da noite”, diz a
Pasta. As informações divulgadas têm como base dados da Polícia
Rodoviária Federal (PRF)
Segundo a Pasta, a região Sul continua concentrando mais da metade
das ocorrências nesta noite. Aglomerações também ainda são registradas
nos Estados de Rondônia, Bahia, Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso,
Goiás e Tocantins.
Ontem, após reunião com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da
Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, caminhoneiros indicaram nesta
quinta-feira, 9, que devem continuar mobilizados até serem recebidos
pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A intenção do grupo
é pressionar o chefe do Congresso a abrir processo de impeachment
contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), principal alvo de Bolsonaro na Corte. Um pedido apresentado pelo
chefe do Executivo no mês passado foi rejeitado por Pacheco.
“A gente estabeleceu uma pauta de entrega de um documento ao senador
Rodrigo Pacheco e até o momento infelizmente não tivemos êxito nisso.
Permanecemos no aguardo de ser recebido pelo mesmo. E talvez existam
algumas questões. Quanto tempo vai durar? Já antecipo, nós estamos
aguardando sermos recebidos pelo senador Rodrigo Pacheco. Até que isso
seja realizado estamos mobilizados em todo o Brasil”, afirmou Francisco
Dalmora Burgardt, conhecido como Chicão Caminhoneiro, que disse não ser
possível adiantar quais reivindicações estarão no documento destinado a
Pacheco.
Tanto Chicão Caminhoneiro como o outro transportador autônomo que
falou com jornalistas após a reunião afirmaram que Bolsonaro não lhes
fez nenhum pedido. Na quarta-feira, pressionado pelo temor do efeito das
paralisações na economia, Bolsonaro enviou um áudio pedindo que os
caminhoneiros liberassem as rodovias. “O presidente não nos pediu nada
(na reunião). Nós estamos aqui numa visita de cortesia visto que viemos
ao Senado, infelizmente até o momento não pudemos ser recebidos, e como
estamos mobilizados aqui aproveitamos a oportunidade de estar com o
presidente, que foi muito cordial”, disse Chicão Caminhoneiro. FONTE, TRIBUNA DO NORTE