Marina Ramos/Câmara dos Deputados
— Estamos em um ponto onde nunca deveriamos ter nos desviados, aquele
que emanou a Constituição (sobre o poder e independência do
Legislativo). (…) Aqui nesta Casa, em 2016, por meio da adoção das
emendas impositivas que o parlamento finalmente se encontra com as
origens do projeto constitucional. E se afirma.
Ao tratar das emendas
parlamentares, Motta afirmou “ter certeza” não ser possível retirar os
poderes conquistados pelo Congresso e concordou com a necessidade de dar
mais transparências à destinação dos recursos públicos, alvo de impasse
com o Supremo Tribunal Federal (STF).
— Tenho absoluta certeza que o
passado é um caminho sem volta, porque sabemos que acaba no colapso
politico. Tem razão quem prega por transparência, nas contas publicas,
temos tecnologias —disse ele. — Nenhum poder pode tudo, somente todos
podem representar a democracia. Serei um guardião da independência e um
sentinela da harmonia.
Em seu discurso, Motta também
defendeu a busca por convergências na política, a estabilidade econômica
e criticou a inflação alta no país.
— Se não formos capazes de agir de
forma prática, não estaremos a altura deste lugar. Não podemos continuar
desperdicando seu presente. Não existe um caminho da direita, centro e
da esquerda. Existe o caminho do Brasil — afirmou ele, continunando: —
Nada pior para os mais pobres que a alta da inflação. Não se apaga fogo
com a gasolina. Nosso dever é apagá-lo, pelo bem do povo brasileiro —
disse Hugo Motta na cadeira de presidente da Câmara.
Ao se referir a Ulysses, repetiu o
gesto de levantar a Constituição e a célebre frase do deputado
constituinte: “Tenho ódio e nojo à ditadura”.
— Vamos fazer o que é certo, pelo
bem do Brasil! O Brasil não pode errar e não podemos deixar que ninguém
erre contra o Brasil. Temos de estar sempre do lado do Brasil. Em
harmonia com os demais poderes, encerro com uma mensagem de otimismo:
“Ainda estamos aqui!” — disse Motta.
A frase é uma referência ao filme
“Ainda Estou Aqui”, que retrata o sofrimento do deputado Rubens Paiva,
morto pela ditadura do país na década de 1970. O longa metragem
nacioonal concorre ao Oscar de melhor produção e a atriz Fernanda
Torres, que vive o papel de Eunice Paiva, viúva.
Alçado como candidato de consenso
após divisão do Centrão, Motta foi eleito neste sábado como novo
presidente da Câmara com o voto de 444 deputados, a segunda maior
votação da História. Aos 35 anos, Motta será o mais novo a assumir o
cargo. Sua eleição é fruto das articulações do deputado Arthur Lira(PP-AL),
a quem sucederá, que costurou o apoio de 17 dos 20 partidos da Casa — o
que inclui o PT, partido do governo, e o PL, principal sigla de
oposição.
A disputa na Câmara foi resolvida
ainda no primeiro turno, embora houvesse outros dois candidatos no
paréo. Marcel Van Hattem (Novo-RS) obteve 31 votos, enquanto Pastor
Henrique Vieira (PSOL-RJ), 22. Houve dois votos em branco.
A eleição de Motta consolida o
domínio do centrão, bloco informal de partidos que há décadas dá as
cartas no Congresso. O grupo informal de partidos tem indicados no
governo de Luiz Inácio Lula
da Silva, mas enfrenta divisões internas que tem dificultado a
aprovação de projetos de interesse do governo de Luiz Inácio Lula da
Silva.
Além disso, Motta assume o comando
da Câmara em um cenário no qual o Congresso conquistou um poder inédito
sobre o Orçamento, em um processo iniciado ainda no governo de Dilma
Rousseff. As cifras destinadas via emendas parlamentares mais do que
triplicaram nos últimos dez anos, chegando a quase R$ 50 bilhões em
2024, patamar que deve ser mantido neste ano. O resultado é que
deputados e senadores hoje são responsáveis por cerca de um quinto de
todos os recursos livres da União.
Antes da votação, ao discursar na
tribuna da Câmara, Motta fez um discurso no qual defendeu a prerrogativa
dos parlamentares, citandos especificamente a imunidade parlamentar.
— Vamos fortalecer a Câmara, manter
autonomia e independência em relação a outros Poderes. Queremos a
Câmara forte com garantia das nossas prerrogativas e defesa da nossa
imunidade parlamentar. A garantia das prerrogativas parlamentares é
essencial para o fortalecimento do povo — afirmou ele.
A declaração foi uma referência a
investigações que miram deputados por discursos feitos na Câmara. No ano
passado, a Polícia Federal indiciou os deputados Cabo Gilberto Silva
(PL-PB) e Marcel Van Hattem (Novo-RS) por calúnia e difação contra um
delegado da corporação. Apesar de parlamentares terem imunidade por suas
opiniões, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que crimes contra a
honra, como injúria, calúnia e difamação, não estão contemplados.
Em um esforço para se equilibrar
entre governistas e oposição, o deputado também afirmou que, uma vez
eleito, ouvirá os colegas para discutir o que será votado na Casa e que
distribuirá de forma equânime relatorias dos projetos. Ele citou Nelson
Mandela, ex-presidente da África do Sul, símbolo do fim do regime do
apartheid no país africano.
— Aquela cadeira (de presidente da
Câmara) não faz nenhum de nós diferente. Serei o que sempre fui, serei
um deputado presidente e nao um presidente deputado. Mandela era um
lider gigantesco e humilde. A arrogância é uma marca de fraqueza na
vidade publica. a humildade é sinonimo de firmeza. de quem nao precisa
se achar infalivel.
Apesar de jovem, Motta está em seu
quarto mandato na Câmara. Eleito pela primeira vez em 2010, ele já
contou com 86.150 votos ao debutar na disputa por uma vaga no Congresso.
Com 21 anos, ele se tornava o deputado federal mais jovem da história e
iniciava uma trajetória como representante da sua família na Câmara. Na
política paraibana, o clã dos Wanderley é tradicional e se alterna há
mais de um século no comando da cidade de Patos, município com 103 mil
habitantes a 303 quilômetros de João Pessoa.
Ao ser confirmado como presidente
da Câmara, Hugo Motta se torna, portanto, o membro da família a alçar
voo político mais alto. Nos últimos catorze anos, ele passou também pelo
MDB antes de migrar para o seu partido atual, o Republicanos. Neste
período, o deputado presidiu, por exemplo, a CPI da Petrobras e a
Comissão de Fiscalização e Controle da Casa. Ele ainda foi relator da
Medida Provisória que criou o saque-aniversário do FGTS, no primeiro ano
do governo Jair Bolsonaro (PL), e comprou briga com o então presidente
da Caixa, Pedro Guimarães, para baixar as taxas previstas na proposta do
governo. O deputado ainda tentou incluir na MP o fim do monopólio da
Caixa sobre o fundo de garantia, mas não teve apoio suficiente.
Motta chegou a apresentar um
projeto de lei com a proposta de permitir aos bancos a utilização do
FGTS como garantia para empréstimo consignado, mas a repercussão foi
negativa e o parlamentar desistiu da proposta.
Médico por formação, Motta precisou
cumprir uma promessa feita à mãe, Illana, meses antes, ao se lançar
candidato em 2010: deveria concluir os estudos em medicina, já
iniciados, durante o seu primeiro mandato. Logo no dia em que foi
empossado como parlamentar, em 2011, precisou deixar a Câmara em direção
à região administrativa de Taguatinga, no Distrito Federal, onde
cumpria parte da graduação. A exaustiva “vida dupla”, entre a medicina e
a política, ainda se estendeu por dois anos, até a formatura, quando
desistiu da área da saúde para se dedicar exclusivamente ao ofício no
qual a família já tinha ampla tradição na Paraíba.
Agora, o político descrito como
“metódico” e “workaholic” por colegas de plenário tem como principal
desafio se equilibrar entre os interesses conflitantes de governistas e
bolsonaristas. Na corda bamba de interesses, Motta também precisará
manter uma relação mais amistosa com os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) ao mesmo tempo que lida com cobranças de líderes da
oposição por respostas ao Judiciário, após decisões relativas a temas do
Congresso, como o bloqueio de emendas parlamentares.
O Globo