Na véspera do Natal de 2020, a Argentina recebeu 300 mil doses da vacina Sputnik V contra o coronavírus, se tornando o 3º país da América Latina a iniciar a aplicação do imunizante russo, o primeiro registrado no mundo contra a Covid-19. A fórmula começou a ser administrada em profissionais de saúde, idosos e, hoje, é o imunizante mais utilizado em território argentino.
Apesar de ter sido aprovada no Brasil apenas para uso sob uma série de condições, a Sputnik faz sucesso com nossos vizinhos argentinos. Segundo Enio Garcia, brasileiro que chefia a assessoria técnica do Ministério da Saúde na província de Buenos Aires, é comum, nos postos de saúde, encontrar quem prefira tomar a Sputnik V à AstraZeneca.
Em entrevista exclusiva ao jornal Metrópoles, Garcia, que está à frente de um estudo de vida real sobre a segurança e a eficácia da vacina russa, conta que os resultados apontaram efetividade de 79% entre os que tomaram apenas uma dose e proteção de 86% para casos graves entre os que tomaram as duas doses. Os dados estão passando pela revisão de pares e, se aprovados, serão publicados na revista científica The Lancet nas próximas semanas.
Covid-19 na Argentina
“Começou a nossa segunda onda no final de março e, aqui na província de Buenos Aires, tínhamos uma média de 12 mil casos por dia. Agora estamos em oito, nove mil diários, e a curva está bem plana. Na primeira onda, tivemos um pico de 6,5 mil. Os números de infectados são maiores agora, mas já temos um terço da população maior de 18 anos vacinada e observamos redução dos casos graves e internações”, conta.
No país, também estão sendo aplicadas as vacinas da AstraZeneca e da Sinopharm. De acordo com dados do Our World in Data, 37,2% da população já foi imunizada com pelo menos a primeira dose e 9%, com a segunda.
Mas a Sputnik nem sempre foi bem recebida pelos argentinos. Garcia conta que, desde a criação do imunizante, ele já era visto com desconfiança. “Tem uma questão ideológica, colocam a coisa como se estivéssemos na Guerra Fria. As outras vacinas tinham um tratamento diferente, eram chamadas pelo nome, enquanto a Sputnik era a ‘vacina russa’”. Segundo ele, no começo, uma deputada da oposição chegou a fazer uma denúncia penal contra o presidente do país, o acusando de estar envenenando a população.
Virada
Ele considera que a comunicação voltada para a população, que recebeu dados, informações sobre os efeitos adversos leves, e o exemplo dos profissionais de saúde da linha de frente, que deixaram de desenvolver casos graves, foram essenciais para que a população passasse a confiar no imunizante.
“O estudo publicado na The Lancet terminou de consolidar. Hoje temos gente que chega no posto de saúde e, quando é AstraZeneca, a pessoa prefere voltar outro dia para se vacinar com a Sputnik V. É a vacina que mais usamos aqui, as pessoas foram vendo que é uma boa vacina, com bom efeito”, diz. Ele é contra a escolha de vacinas, e pondera que o medo em relação a qualquer imunizante aprovado não tem razão de existir. “Todos são seguros e eficazes”, reforça Garcia.
A Sputnik V está sendo produzida por um laboratório privado na Argentina desde o último mês, com expectativa de inauguração de uma nova fábrica para garantir a independência em relação a insumos importados. “É uma aposta, mas não é feita às cegas. Se percebêssemos que não tinha um bom resultado, obviamente não teríamos incentivado a Sputnik”, conclui o epidemiologista brasileiro.
*Por Metrópoles