Foto: Daniel Marenco
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira o projeto que
altera a Lei de Improbidade, de 1992, com apoio de partidos do Centrão e
da esquerda. A proposta, aceita com ampla maioria, impõe prazo para
investigação contra atos cometidos por agentes públicos, restringe os
conceitos do que pode ser considerado improbidade e insere o nepotismo
como um desvio grave e passível de punição.
O projeto que prevê mudanças na Lei de Improbidade Administrativa do
deputado federal Roberto de Lucena (Podemos-SP) foi apresentado em 2018.
Desde então, tramitava em uma comissão especial criada para debater o
tema. Em outubro do ano passado, o relator do projeto, deputado Carlos
Zarattini (PT-SP), apresentou um parecer preliminar, criticado à época
por integrantes do Ministério Público e autoridades de investigação.
Zarattini reformulou o texto, que seria debatido e votado na comissão.
Para agilizar as mudanças, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL),
pautou requerimento de urgência para a votação do projeto nesta
terça-feira, sendo aprovado com o apoio de governistas e da oposição,
por 369 votos favoráveis e 30 contrários. O texto foi votado oito
minutos após ser entregue pelo relator.
Um dia depois, nesta quarta-feira, o Plenário da Câmara aprovou o PL,
que segue para o Senado Federal. Entenda os principais pontos em
discussão para alteração da Lei de Improbidade.
Improbidade só dolosa (intencional)
Positivo
Especialistas em direito argumentam que a atual redação da lei é
muito ampla a interpretações e é usada pelo Ministério Público e a
advocacia pública para enquadrar qualquer irregularidade como
improbidade administrativa.
A necessidade de comprovação de dolo deve limitar o abuso de
autoridades contra gestores públicos e consagra o entendimento que já é
utilizado pelos tribunais superiores, que exigem a comprovação de dolo
para fixar condenações.
Negativo
Apesar de limitar a ação do MP e da advocacia a ações com dolo
comprovado, especialistas alertam que gestores públicos podem cometer
atos de improbidade sem dano aos cofres públicos ou enriquecimento
próprio. Um exemplo é a divulgação de informações que beneficiem agentes
financeiros.
Investigação com data para terminar
Positivo
Procedimentos sem prazo delimitado que apuram supostas
irregularidades impactam nos custos do processo, da estrutura judicial e
na imagem do gestor público, que ao final do processo pode ser
considerado culpado ou inocente. Com a definição do prazo, que pode ser
estendido por igual período, investigações terão conclusões mais ágeis,
julgamentos céleres e respostas à população sobre a culpabilidade do
gestor dentro do próprio mandato.
Negativo
Investigações de atos de improbidade podem demandar mais do que 180
dias para conclusão, com o afastamento de sigilos bancário e fiscal,
análise e perícia de documentos, oitiva de testemunhas e inspeções de
obras e serviços. Ao estabelecer um período para conclusão, as
ferramentas de investigação são limitadas, o que pode favorecer a
impunidade.
Culpa grave não é mais improbidade
Positivo
A mudança permite que os administradores exerçam suas atribuições sem
receios de interpretações amplas e controversas da lei, considerada
muito ampla e genérica. A atual redação permite ao MP e a advocacia
pública a abertura de procedimentos sem indícios suficientes de
cometimento dos atos. As mudanças aproximam a legislação ao Código de
Processo Civil.
Negativo
O texto aprovado impede que agentes públicos que atuaram de forma
impudente e negligente sejam responsabilizados e enquadrados na lei. A
mudança pode aumentar a impunidade de políticos que cometeram condutas
graves à população e aos cofres públicos, mas não caracterizado como ato
intencional.
Competência exclusiva do Ministério Público para propor ações
Positivo
A mudança centraliza as investigações sob a responsabilidade do MP,
que determinará, de acordo com os requisitos para a proposição da ação, a
necessidade da apuração das supostas ilegalidades. O novo texto não
exclui a pessoa jurídica lesada de ser chamada no processo.
Negativo
O projeto determina a exclusividade ao Ministério Público para propor
ações de improbidade administrativa. O texto aprovado retira o direito
do ente público lesado o direito de buscar a reparação do dano. União,
os estados e municípios ficarão dependentes da atuação do MP, que terá
um tempo menor de investigação.
Prescrição encurtada
Positivo
Inúmeros casos de investigações não são concluídas por parte das
autoridades, o que afeta a imagem e o andamento do mandato do gestor
público. O novo texto prevê ainda prazos mais extensos, no caso da
prescrição, que passará de cinco para oito anos, a partir do cometimento
do ato lesivo.
Negativo
O prazo prescricional passará a contar da ocorrência do fato em
investigação. Um gestor que cometa ato de improbidade administrativa no
início do mandato e que seja reeleito, terá o caso prescrito antes do
fim de sair do cargo. A Justiça poderá ainda reconhecer a prescrição
durante o curso do processo. Os recursos disponíveis à defesa e lentidão
do sistema Judiciário para encerrar julgamentos pode garantir a
impunidade em determinados casos.
Políticos já processados por improbidade
Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já foi condenado em duas
ações de improbidade na Justiça de Alagoas por supostos desvios na
Assembleia Legislativa do estado. Ele responde ainda a outras três ações
de improbidade no âmbito da Lava-Jato. As investigações revelaram a
prática sistemática de crimes contra o patrimônio público no Legislativo
de Alagoas.
Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles
O ministro Ricardo Salles foi condenado em primeira instância por
improbidade administrativa no período em que era secretário estadual do
Meio Ambiente na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), em 2016. Para o
Ministério Público, Salles cometeu fraude no processo de plano de manejo
da área de proteção ambiental (APA) da várzea do rio Tietê para
favorecer empresas.
Deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ)
Lindbergh foi condenado em dezembro de 2016 pela 7ª Vara Cível de
Nova Iguaçu por conta da distribuição de caixas de leite à população,
entre dezembro de 2007 e o primeiro semestre de 2008, com um símbolo
criado pelo petista na prefeitura. Houve também, segundo a sentença, a
entrega de “cadernetas sociais”, para 6 mil famílias, destinadas ao
controle de recebimento do leite. Essas cadernetas levavam o nome de
Lindbergh, prefeito e candidato à reeleição naquela época.
Governador de São Paulo, Joao Doria (PSDB)
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou o governador João
Doria (PSDB) por improbidade administrativa pelo uso do slogan “Acelera
SP”, quando ocupava o cargo de prefeito da capital, entre 2017 e 2018. A
denúncia do Ministério Publico estadual considera que Doria utilizou o
slogan, criado durante a campanha eleitoral, mesmo após assumir o cargo
de prefeito, em atos e eventos oficiais. Segundo o MP-SP, o então
prefeito teria se valido do seu cargo para promoção pessoal.
Ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT)
A juíza Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara da
Fazenda Pública de São Paulo, absolveu o ex-prefeito de São Paulo
Fernando Haddad e o ex-secretário dos Transportes Jilmar Tatto, ambos do
PT, de acusações de improbidade administrativa, em maço deste ano. O
Ministério Público alegou que, durante a gestão de Haddad em 2015, teria
sido criada uma “indústria de multas” na capital, com a instalação de
radares em locais indevidos.
Líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR)
Ricardo Barros responde atualmente a três processos por improbidade.
Na ação que corre na Justiça Federal, o integrante do Centrão é acusado
de irregularidades em um processo licitatório para a compra de
medicamentos de alto custo na época em que era ministro da Saúde, no
governo Temer. Já na Justiça Estadual do Paraná, o parlamentar foi
condenado em primeira instância por dano ao erário a restituir aos
cofres públicos diferença entre o valor de mercado e o valor obtido por
Maringá com a venda de equipamentos compactadores e coletores de lixo,
quando prefeito. O processo está suspenso.
O Globo